sábado, 9 de fevereiro de 2008

Parte I - A mensagem de Fátima



Capítulo I

Aparições e mensagem


Situada na diocese de Leiria, perdida num dos contrafortes da Serra de Aire, a 100 quilômetros ao norte de Lisboa e quase no centro geográfico de Portugal, Fátima tem à sua volta, num raio de cerca de 25 quilômetros, alguns dos monumentos mais eloqüentes e simbólico da história portuguesa. Contam-se entre eles o castelo construído por D. Afonso Henriques em Leiria, cujas imponentes ruínas, muros altos e possantes e belos torreões erguem-se no topo de uma colina de 113 metros de altura; o grandioso Mosteiro da Batalha, o qual, com seus amplos salões, soberbos arcobotantes, pináculos e rendilhados, é certamente a mais bela jóia da arquitetura medieval do país; o convento-fortaleza de tomar, antigo quartel-general dos templários lusitanos e, mais tarde, da Ordem de Cristo; não muito distante, circundada por muralhas medievais e assente sobre um morro que domina uma vasta planície, a encantadora vila de Ourém, com suas estreitas e acidentadas ladeiras, ruínas góticas e panos de muralhas do velho castelo do senhor feudal; por fim, a grande abadia cisterciense de Alcobaça, uma das maiores da Europa, construída segundo o austero e elegante estilo gótico bernardino, e que, nos seus dias de glória, foi centro de fervor religioso alta cultura, abrigando mais de mil monges.


Não muito distante de Fátima, na direção do oceano, encontra-se o várias vezes centenário pinheiral de leiria, plantado pelo rei D. Dinis em plena Idade Média.


Na paisagem da região predominam as colinas desnudas e pedregosas de azinheiras, vendo-se aqui e ali povoados de casas caiadas de branco, brilhantes à luz do sol, e, nos vales, alguns arvoredos de oliveiras, carvalhos e pinheiros.

Foi este cenário bucólico, calmo e denso de recordações, o escolhido pela Mãe de Deus para transmitir ao mundo uma das mais graves profecias da história. Palavras vindas do Céu, carregadas de advertências, de misericórdia e de esperança.


Um domingo como os outros para os três pastorinhos


Estava-se na primavera de 1917. A primeira Guerra Mundial, a grande e sangrenta guerra das nações, há mais de três anos alastrava seus campos de batalha por quase toda a terra.


Entretanto, naquela luminosa manhã de domingo, 13 de maio, as calamidades e horrores da guerra pareciam distantes para três pastorinhos. Eram eles Lúcia de Jesus, a mais velha, com 10 anos; Francisco e Jacinta Marto, com 9 e 7 anos, respectivamente.


Depois de assitirem à Missa, saíram de Aljustrel (lugarejo da freguesia de Fátima, onde residiam), em direção à serra onde juntaram seu pequeno rebanho de ovelhas castanhas e brancas. Lúcia, ao escolher a pastagem do dia, disse com seu arzinho de mando:


― Vamos para as terras de meu pai, na Cova da Iria.


Obedecendo, os outros tocaram as ovelhas, e lá foram os três por entre a vegetação rasteira que se espalhava pela serra de Aire. Os animais iam arrancando o que encontravam ao alcance do dente, e seus chocalhos soavam tristes no silencia da manhã clara.


Era um belo domingo esse 13 de maio ― mês de Maria! No céu límpido e translúcido, o sol se mostrava em todo o seu esplendor.


O tempo passara calmo e entretido. Os pastorinhos já haviam almoçado sua merenda, composta de pão de centeio, queijo e azeitonas; já tinham rezado o terço, junto de uma pequena oliveira que o pai de Lúcia por ali plantara. Perto do meio-dia, subiram até um terreno mais elevado da propriedade e começaram a brincar...[1]



Primeira aparição da Santíssima Virgem


De súbito, em meio ao seu inocente recreio, as três crianças viram algo como um clarão de relâmpago, que as surpreendeu. Olharam para o céu, para o horizonte e, depois, umas para as outras: estavam mudas e atônitas, o horizonte permanecia limpo e o céu luminoso e sereno. Que seria?


Mas já Lúcia, sempre com certa vozinha de mando, ordenou:


― Vamos embora, que pode vir trovoada.


― Pois vamos ― disse Jacinta.


Chamaram o rebanho, tocaram-no e desceram pela direita. A meio caminho, entre o monte deixado e uma azinheira[2] grande que tinham pela frente, viram um segundo relâmpago.


Com redobrado susto apertaram o passo, continuando a descer. Porém, mal haviam chegado ao fundo da “Cova”, pararam, confusos e maravilhados: ali, a curta distância, sobre uma carrasqueira de um metro e poucos centímetros de altura, aparecia-lhes a Mãe de Deus[3].
Segundo as descrições da Irmã Lúcia, era “uma Senhora vestida toda de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente”. Seu semblante era de uma inenarrável beleza, nem triste, nem alegre, mas sério, talvez com uma suave expressão de ligeira censura. Como descrever em pormenores seus traços? De que cor os olhos, os cabelos dessa figura celestial? Lúcia nunca o soube dizer ao certo!


O vestido, mais alvo que a própria neve, parecia tecido de luz. Tinha as mangas relativamente estreitas e era fechado no pescoço, descendo até os pés, os quais, envolvidos por uma tênue nuvem, mal eram vistos roçando as franças da azinheira. Um manto lhe cobria a cabeça, também branco e orlado de ouro, do mesmo comprimento que o vestido, envolvendo-lhe quase todo o corpo. “As mãos, trazia-as juntas em oração, apoiadas no peito, e da direita pendia um lindo rosário de contas brilhantes como pérolas, terminado por uma cruzinha de vivíssima luz prateada. [Como] único adereço, um fino colar de ouro-luz, pendente sobre o peito, e rematado, quase à cintura, por uma pequena esfera do mesmo metal”[4].


O que se seguiu é assim relatado pela Irmã Lúcia:


“Estávamos tão perto, que ficávamos dentro da luz que A cercava, ou que Ela espargia. Talvez a metro e meio de destância, mais ou menos. Então disse-nos:


― Não tenhais medo, Eu não vos faço mal.


― Donde é Vossemecê? ― lhe perguntei.


― Sou do Céu.


― E que é que Vossemecê me quer?


―Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez.


― E eu também vou para o Céu?


― Sim, vais.


― E a Jacinta?


― Também.


― E o Francisco?


― Também, mas tem que rezar muitos Terços.


Lembrei-me, então, de perguntar por duas raparigas que tinham morrido há pouco. Eram minhas amigas e [freqüentavam] minha casa [para] aprender a tecer com minha irmã mais velha.


― A Maria das Neves já está no Céu?


― Sim, está.


― E a Amélia?


― Estará no Purgatório até o fim do mundo. Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?


― Sim, queremos.


― Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.


Foi ao pronunciar estas últimas palavras (‘a graça de Deus...’, etc.), que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que nos penetrava no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente do que nos vemos nos melhor dos espelhos. Então, por um impulso íntimo, também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente: ‘Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento '.

Passados os primeiros momentos, Nossa Senhora acrescentou: “rezem o Terço todos os dias para alcançarem a paz para o mundo e o fim de guerra’.


Em seguida, começou a elevar-Se serenamente, subindo em direção ao nascente, até desaparecer na imensidade da distância.A luz que A circundava ia como que abrindo um caminho no cerrado dos astros, motivo pelo qual alguma vez dissemos que vimos abrir-se o Céu”[5].


Depois que a Aparição se eclipsou na infinidade do firmamento, os três pastorinhos permaneceram silenciosos e pensativos, contemplando longamente o Céu. Aos poucos, foram despertando daquele estado de êxtase que os havia colhido. Ao seu redor, a natureza voltara a ser o que era antes. O sol continuava a dardejar seus raios sobre a terra, e o rebanho, espalhado, deitara-se à sombra das azinheiras. Tudo era quieto na serra deserta.


A celeste Mensageira havia produzido nas crianças uma deliciosa impressão de paz e de alegria radiante, de leveza e liberdade. Parecia-lhes que poderiam voar como os pássaros. De tempos em tempos, o silêncio em que tinham caído era cortado por esta jubilosa exclamação de Jacinta:


― Ai! Que Senhora tão bonita! Ai! Que Senhora tão bonita!


Nesta, como nas outras aparições, a Virgem Santíssima falou apenas com Lúcia, sendo que Jacinta só ouvia o que Ela dizia. Francisco, porém, não A ouvia, concentrando toda a sua atenção somente em vê-La. Quando as duas meninas lhe relataram o diálogo acima transcrito, e a parte que nele lhe tocou, encheu de grande alegria. Cruzando as mãos acima de sua cabeça, o menino exclamou em alta voz:


― Ó minha Nossa Senhora! Terços digo eu quantos Vós quiserdes!


Os pastorinhos sentiam-se outros. Suas almas estavam leves e alegres.


Já o lusco-fusco do entardecer os envolvia, enquanto na serra ecoavam os sinos das Ave-Marias. Tocando suas ovelhas, as três crianças abandonaram então aquele sítio abençoado. No silêncio do anoitecer que ia cobrindo os montes, “ouvia-se o som do chocalho rouco, e os passos miúdos do rebanho, estrada afora, eram como chuvinha de verão em folhas secas...”[6]



[1] Cf. Antero de Figueiredo, Fátima, graças, segredos, mistérios, Lisboa, 1942, pp. 21-22.
[2] Azinheira, também conhecida como carrasqueira, ou ainda carrasqueiro manso, é uma espécie de carvalho.
[3] Cf. Idem, pp. 23-24; Pe. Luís Gonzaga Ayres da Fonseca, S.J., Nossa Senhora de Fátima, 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1954. p.22.
[4] Irmã Lúcia, Memórias e Cartas, Depositárias: L.E., Porto, 1973, p. 3331 (com adaptações para p português em uso no Brasil); Ayres da Fonseca, op. cit., pp. 23-24; Figueiredo, op. cit., p.26; William Thomas Walsh, Nuestra Señora de Fátima, Espasa-Calpe, S.A., Madrid, 1960, p. 74.
[5] Irmã Lúcia, op. cit., pp. 331-333.
[6] Cf. Figueiredo, op.cit., pp. 27-28,30-31; Walsh, op. cit., pp. 76-77; Aures da Fonseca, op. cit., p. 27.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aproveito para comunicar ao Pe. João Clá que há 4 anos este seu livro faz parte do programa catequético do mês de maio em nossa paróquia. Tanto o pároco quanto nós, catequistas, fazemos largo uso deste opúsculo e tem sido ocasião de muitas graças. Muito obrigada!